“Em
geral, gostamos de chamar de insanidade aquilo que não entendemos.”
C. Jung
É comum associar loucura com tudo àquilo que possa parecer novo ou diferente do que estamos costumados a ver em nosso dia a dia. Fazemos essa associação porque é mais fácil atribuir um rótulo do que evidenciar a possibilidade de outro ponto de vista ser apresentado. E assim, muitas vezes, acabamos por identificar como “estranhas” pessoas ou ideias que não correspondem a padrões pré-estabelecidos e convencionados socialmente como “normais”.
Muito do preconceito em relação aos esquizofrênicos parte de especulações como o de que seriam pessoas violentas, despreocupadas com a higiene, inconstantes e perigosas. Esses pensamentos foram validados socialmente como sendo uma verdade.
Abaixo segue uma tirinha da Turma da Mônica retirada do livro "A política da loucura - A antipsiquiatria" de Duarte Junior (1987) para que possamos fazer algumas reflexões
Observação: Ao clicar em cima da figura com as tirinhas você poderá obter uma melhor visualização do texto!.
Abaixo segue uma tirinha da Turma da Mônica retirada do livro "A política da loucura - A antipsiquiatria" de Duarte Junior (1987) para que possamos fazer algumas reflexões
Observação: Ao clicar em cima da figura com as tirinhas você poderá obter uma melhor visualização do texto!.
Agora vamos falar um pouco sobre o quadrinho e sobre a loucura?
No livro História da loucura na idade clássica
Foucault (1999) diz que ao longo da história da humanidade, a loucura tem sido
objeto de saberes, interpretações e práticas que respondem a condições sociais
objetivas, perspectivas econômicas, científicas e culturais próprias de cada
época. Ele ainda destaca a presença da loucura na arte e na literatura,
relacionada a supostas “manifestações malignas”, às “fraquezas humanas”, ao
“erro” e à “desrazão”.
Segundo Foucault (1999) a partir do século XVIII e início
do século XIX, como efeito da Revolução Francesa, com o nascimento dos asilos e
posteriormente dos hospícios, a loucura assume gradativamente uma conotação de
“doença mental”. Para o autor Frayze-Pereira (1985) no livro “O que é loucura?” a loucura/doença
mental é uma questão da psiquiatria e psicologia não concluída e longe de ser resolvida
e por isso é tema de tantas discussões no meio acadêmico e científico.
No mesmo livro Frayze-Pereira cita a obra “O Normal e
o Patológico”, do filósofo Georges
Canguilhem, que afirma o
indivíduo é doente sempre em uma relação: seja em relação aos outros, seja em
relação a si mesmo e que o “normal”, não somente por etimologia, não
passa de uma norma.
“[...] é preciso notar
que uma norma, uma regra, se propõe como um modo possível de eliminar uma
diferença. E ao se propor desse modo a própria norma cria a possibilidade da
sua negação lógica [...] Nesse sentido, ‘o anormal, enquanto anormal, é
posterior à definição do normal, é a negação lógica deste’ [...] uma
norma só vem a ser norma, exercendo a sua função normativa ou de regulação,
mediante a antecipação da possibilidade de sua infração [...] O anormal
é uma relação: ele só existe na e pela relação com o normal. Normal e
anormal são, portanto, termos inseparáveis. E é por isso que é tão difícil
definir a loucura por si mesma.”
(CANGUILHEM APUD. FRAYZE-PEREIRA, 1985,p. 21-22)
A partir do processo de normatização da loucura Duarte
Junior (1987), diz que a “loucura” mais característica é aquela que foi
classificada como esquizofrenia, que em grego significa literalmente, “mente
partida”, ou mente dividida e sob esse rótulo genérico são classificados todos
aqueles que de alguma forma perdem o contato com a realidade, isolando-se em um
mundo particular e fantasmagórico. Sob o título de esquizofrênicos estão os “loucos”
mais característicos, aqueles que em nosso dia a dia, são personagens de piadas.
O autor diz ainda que a psicologia tenta entender o
comportamento humano com os mesmos métodos utilizados pelas ciências naturais,
como a medicina (psiquiatria). Onde se isola o indivíduo de sua história psíquica
e procura-se classificar o seu comportamento. Essa ideia é reforçada através de
psicólogos que muitas vezes tentam enquadrar determinados comportamentos como sendo
culturalmente inadequados e psicopatológicos em entrevistas dadas a veículos de
comunicação, numa tentativa de enquadrar o sujeito na tal norma estabelecida
como a adequada, e isso se deve um pouco a história da própria psicologia
enquanto ciência, como já diz Prayze-Pereira:
“(No
século XVIII) [...] surge uma psicologia, isto é, um conhecimento da interioridade
psicológica do homem, a partir da consciência pública tomada como forma
universal e válida da razão e da moral para avaliar os homens. Ou seja, em sua
raiz o conhecimento psicológico encontra-se inteiramente sustentado pela moral.”
(FRAYZE-PEREIRA,
1985, p. 81)
Ao analisarmos o inicio do quadrinho podemos observar quanto
o personagem Cascão já está inserido num contexto cultural de padronização dos
comportamentos e de expectativas sociais sobre o estado de loucura. Ao receber
a mensagem do Cebolinha de que o mesmo estava rouco, esqueceu que seu amiguinho
trocava o R pelo L e logo lhe atribuiu o status de louco. Percebemos o
estranhamento do Cebolinha diante das falas feitas pelo Cascão.
Assim como nas escolas, universidades, locais de trabalho
e o próprio meio familiar, as pessoas, aqui representadas pela Mônica e Cascão,
tentam observar com distanciamento e provar/diagnosticar a “loucura” no outro
constantemente.
O Cebolinha ao ver que tem um besouro vivo em seu sapato,
sai correndo, volta com um pedaço de pau e tentar mata-lo, após retirar o bicho,
Cebolinha tentar coçar as costas em um local não habitual sem conseguir
alcançar com os dedos vai até a árvore. Para seus amigos ele pareceu estar fora
de si, aparentando uma sintomatologia estereotipada da esquizofrenia (que é por
muitas pessoas ainda chamada apenas de loucura) através de um comportamento
desorganizado culturalmente inapropriado e com a presença de alucinações. E.
Beuler in Frayze-Pereira (1987) define esquizofrenia como um termo
“Para
caracterizar certos fenômenos como a fragmentação do fluxo do pensamento e a
ruptura do contato afetivo com o ambiente”
(E. BEULER apud. FRAYZE-PEREIRA, 1987, p. 16).
Nossos personagens
ao observarem o comportamento do Cebolinha à distância concluíram que de fato ele
estava “louco”. A Mônica e o Cascão também mudam seu comportamento demonstrando
medo diante do amigo que agora é considerado “louco, violento e imprevisível”.
“O
comportamento do indivíduo, quando retirado do seu contexto perde a
significação e passa a ter o significado que os observadores lhe imputaram. Se
a interpretação inicial já era na direção da “loucura” do Cebolinha, os dados
observados apenas confirmaram tal interpretação”.
(DUARTE
JUNIOR, 1987. p.42)
Também podemos observar que na sequência do quadrinho
onde eles deparam-se num beco sem saída com a presença do Cebolinha eles
começam a falar frases desconexas, reforçando a ideia de que conversa de “louco”
é estabelecida com coisas sem muito sentido.
“O
Eu nunca é louco: louco é o Outro. A loucura só pode ser reconhecida
em mim através do olhar do Outro: o Eu nunca a percebe em si. Assim, é um conflito que se estabelece:
o conflito do Eu x Outro.
(BIRMAN in BEZERRA JUNIOR , 1992, p.19)
Quando a mãe do Cebolinha o encontra e entrega as
pastilhas para sua rouquidão o mal entendido é esclarecido. Porém, mesmo após
saberem o contexto do comportamento apresentado pelo Cebolinha a Mônica e o
Cascão, não satisfeitos fazem mais uma vez um diagnóstico (problema de dicção
devido à troca do L pelo R) e tentam condicionar seu amigo a aprender a
pronunciar o R de forma adequada.
Bem, quantas vezes nós não tentamos tomar a existência
humana como algo que deve ser ordenado e lógico como nascer, crescer, trabalhar,
reproduzir e morrer. Estaria essa lógica certa? E se a esquizofrenia não for o
que pensamos que é? E se as características que a definem não forem visíveis e
dramáticas, mas sim, ao contrário, extremamente discretas compartilhadas por
cidadãos comuns que jamais entrariam em uma clínica psiquiátrica, ou fariam
acompanhamento com um psicólogo?
Acredito que muitas vezes cometemos o mesmo erro que o
Cascão e a Mônica, e esquecemo-nos de perguntar – Será que ele quis não quis me
dizer outra coisa? Porém, parece ser mais fácil enquadrar as pessoas em estereótipos
sem ao menos dar a elas a oportunidade de apontar seu ponto de vista.
É
fundamental perceber a "verdade" na loucura. Não há vazio a ser
preenchido, não é necessário “enquadrar” o chamado louco, moldá-lo seguindo parâmetros
de normalidade para que ele seja sujeito. A experiência da loucura sugere a
exposição da subjetividade de modo diferente do padrão, isto é, diverso daquele
modo definido socialmente como “normal”, o que não retira do louco sua condição
de sujeito.
(BIRMAN
in BEZZERRA JÚNIOR, B. 1992, p.19)
Boa
reflexão e até a próxima postagem!
Quadrinho retirado do capítulo V do livro "A política da loucura: a antipsiquiatria"
de João Francisco Duarte Junior.
REFERENCIAL TEÓRICO
BIRMAN, J. A cidadania tresloucada. In: BEZERRA JÚNIOR, B.; Amarante, P. (Orgs.). Psiquiatria sem hospício: contribuições ao estudo da reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992.
DUARTE JUNIOR, João Francisco. A política da loucura: a antipsiquiatria. 3ªed. Campinhas-SP: Papirus, 1987. (Coleção Krisis)
FOUCAULT, M. História da loucura na idade clássica. 6.ed. São Paulo: Perspectiva, 1999.
FRAYZE-PEREIRA, João. O que é loucura. São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1985. (Coleção Primeiros Passos vol. 18)
JUNG, C. G. Presente e futuro. Petrópolis: Vozes, 1988, p.5
ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da Loucura. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
Valeu, Marcelo. Ganhou um seguidor!
ResponderExcluirGrande Lula!
ExcluirEm breve estarei postando mais informações, documentários e curiosidades!
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