Há quase
dois séculos, Benjamin Rush (o pai da psiquiatria norte-americana) afirmou:
“As doenças da mente
parecem ter sido envolvidas em um mistério... Eu tenho me empenhado em trazer
essas doenças para o mesmo nível das outras doenças do corpo humano, a fim de
demostrar que a mente e o corpo são movidos pelas mesmas causas e estão
sujeitos as mesmas leis.”
(Benjamin Rush apud.
Cunningham MG et al., 2006, 127-40)
Até pouco tempo muito se discutia sobre se a esquizofrenia realmente implica em déficits cognitivos, embora o DSM-IV (2000) já tivesse incluído sete referências a eles na descrição da doença. Antes de prosseguir com a postagem gostaria de lembrar que este tópico do nosso episódio de hoje ainda não é consenso para a psiquiatria e psicologia. Portanto, evitem ler as próximas linhas como uma verdade absoluta que enquadra a todos os portadores da esquizofrenia, pois devemos lembrar que ela se manifesta de forma muito particular em cada indivíduo e que não necessariamente todos os déficits serão acometidos no portador de uma única vez. Tais aspectos da cognição têm sido resultados de longas pesquisas, aplicação de testes psicológicos e estudos que tentam medir e comparar o desempenho de indivíduos esquizofrênicos com indivíduos-controle, ditos “saudáveis”.
De
acordo com Lieberman (Lieberman et al, 2013), cada vez mais pesquisadores creem
que déficit cognitivo é uma característica fundamental da doença e não
simplesmente o resultado de sintomas ou tratamentos da esquizofrenia. A razão
disto é que os resultados das pesquisas mostram que poucas funções cognitivas
dos pacientes permanecem semelhantes às dos indivíduos saudáveis em situações
de crise e após a hospitalização.
Segundo
Noto & Bressan (2012) muitos estudos revelam que a cognição explica entre
20 e 60% da variância do desfecho funcional na esquizofrenia, E os portadores
apresentam empobrecimento em importantes aspectos funcionais como a diminuição
da autonomia no trabalho, lazer, aprendizado e manutenção das relações
interpessoais. Embora existam uma ampla quantidade de déficits cognitivos que
podem ocorrer tanto em estágios iniciais do processamento quanto em estágios
posteriores da ativação das funções superiores, as facetas cognitivas na
esquizofrenia podem ser genericamente organizadas em sete dimensões:
ü Memória de trabalho (memória de curto
prazo): Componente central do déficit cognitivo na
esquizofrenia. Está relacionada aos desfechos funcionais, como em situações
ligadas ao emprego (lembrar-se de sequências como número de telefones, senhas e
informações recentes).
ü Vigilância e atenção: É a capacidade de manter a atenção ao longo do tempo. Os problemas de vigilância podem resultar na dificuldade de acompanhar conversas sociais e incapacidade de seguir instruções importantes; atividades simples, como ler e assistir TV torna-se trabalhosas ou impossíveis;
ü Vigilância e atenção: É a capacidade de manter a atenção ao longo do tempo. Os problemas de vigilância podem resultar na dificuldade de acompanhar conversas sociais e incapacidade de seguir instruções importantes; atividades simples, como ler e assistir TV torna-se trabalhosas ou impossíveis;
ü Aprendizagem e memória verbal: A
aprendizagem de novas informações, retenção de informações recém-adquiridas ao
longo do tempo e reconhecimento de um conteúdo previamente apresentado;
ü Aprendizagem e memória visual: Se
correlaciona com estabilidade no trabalho, sucesso da reabilitação psicossocial
e qualidade de vida;
ü Raciocínio e resolução de problemas: A
inabilidade ou falta de repertório de respostas para verificar o método que
será utilizado para atingir o objetivo final, ou mesmo a dificuldade em dar os
primeiros passos, interpõem-se como obstáculos à resolução do problema. Em
muitos casos as respostas precisam ser desenvolvidas; ou pela aquisição de
pacotes de informação ou pelo treino orientado;
ü Velocidade de processamento: A
redução na velocidade de processamento das informações pode prejudicar a
capacidade de se manter em sintonia com as atividades relacionadas a uma tarefa
que deve ser executada e que são frequentemente realizados por pacientes com
esquizofrenia; e
ü Cognição social:
Dificuldade do reconhecimento das emoções em expressões faciais e a percepção
de dicas sociais. A percepção das emoções negativas (medo, tristeza e raiva)
pode ser particularmente prejudicada em portadores de esquizofrenia.
No
geral, os portadores da esquizofrenia têm déficits maiores na aprendizagem do
que na retenção das informações. Segundo Green (1996) apud. Lieberman et al. (2013)
e muitas evidências empíricas (a partir de testes psicológicos como o WCST e o
Digit Sylbol Test) apontam para a ligação entre a perda da memória verbal e os
déficits sociais em portadores com esquizofrenia. Os pacientes com
esquizofrenia que apresentam prejuízos nas medidas de funções executivas têm
dificuldades em se adaptar às rápidas mudanças no mundo ao seu redor.
Para
os psiquiatras é consenso de que o déficit cognitivo é uma característica
fundamental no diagnóstico da esquizofrenia e que o mesmo, que é verificado em
níveis graves, provavelmente estaria presente na maioria dos portadores. E, uma
vez que estes aspectos têm o poder de impactar negativamente a vida social, é
muito importante conhecê-los, visando a oferecer maior compreensão e ajuda aos
pacientes.
Os déficits cognitivos podem ser
observados desde muito cedo e, em se tratando de crianças com risco de
desenvolvimento da esquizofrenia e com histórico familiar, os estudos como o de
Cornblatt et al (apud Lieberman et al,
2013) sugerem a possibilidade de prever quais delas podem vir a efetivamente
desenvolver a doença no futuro a partir de avaliações cognitivas e seu déficit
de atenção.
Em jovens, estudos como o de Caspi et al. (apud Lieberman et al.,
2013) têm mostrado que após a manifestação da doença e a hospitalização do
paciente, suas funções cognitivas são significativamente prejudicadas, mas que
a maioria dos problemas cognitivos podia ser verificada antes do primeiro
episódio psicótico (Davidson et al,
1999 – apud Lieberman et al, 2013). Este ponto é importante
porque são feitas muitas críticas à medicação utilizada no tratamento antipsicótico
e alguns levantam a hipótese de que ela possa interferir na avaliação cognitiva
do paciente. Numerosas pesquisas sugerem o contrário, porém, e ainda não há
tratamento farmacológico comprovado para déficits neurocognitivos (Davidson et al, 2009; Keefe et al, 2007 – apud
Lieberman et al, 2013).
Bem, a apresentação de déficit cognitivo
auxilia no processo diagnóstico da esquizofrenia, que se dá através de constatações
do rendimento intelectual e social do sujeito. A simples observação do
comportamento pode auxiliar na identificação dessas limitações cognitivas, porém
não se deve dispensar uma avaliação realizada por um neuropsicologo afim de
melhor direcionar ações psicoterápicas que ajudem o esquizofrênico a ter uma
maior qualidade de vida.
REFERÊNCIAS
Imagens:
1 - http://www.brasil247.com/get_img?ImageWidth=650&ImageHeight=674&ImageId=3025272 - https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEib7O7ffA0UTwUQK0uSAZIZ7W8ItjYIxE41sIxnxw8k-tgp9t0pP6FwPM1Cv8OC12eR88vlltKQgf2g4Mk-VGhVTb1yIMog8oa0W6K0O1EttyQd33ocOYyY8cID5YrsoYaxLnlvjkyqfyH6/s400/charge-1.png
LIEBERMAN,
Jeffrey A.; STROUP, T. Scott; PERKINGS, Diana O. Cap. 4 Déficits neurocognitivos. Fundamentos da Esquizofrenia. Porto
Alegre: Artmed, 2013.
NOTO,
Cristiano S.; BRESSAN, Rodrigo A. Cap. 14 Reabilitação cognitiva. Esquizofrenia:
avanços no Tratamento Multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2012.
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