quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

5º Episódio – Esquizofrenia e processos mentais

Há quase dois séculos, Benjamin Rush (o pai da psiquiatria norte-americana) afirmou:

“As doenças da mente parecem ter sido envolvidas em um mistério... Eu tenho me empenhado em trazer essas doenças para o mesmo nível das outras doenças do corpo humano, a fim de demostrar que a mente e o corpo são movidos pelas mesmas causas e estão sujeitos as mesmas leis.”
(Benjamin Rush apud. Cunningham MG et al., 2006, 127-40)


            
        Até pouco tempo muito se discutia sobre se a esquizofrenia realmente implica em déficits cognitivos, embora o DSM-IV (2000) já tivesse incluído sete referências a eles na descrição da doença. Antes de prosseguir com a postagem gostaria de lembrar que este tópico do nosso episódio de hoje ainda não é consenso para a psiquiatria e psicologia. Portanto, evitem ler as próximas linhas como uma verdade absoluta que enquadra a todos os portadores da esquizofrenia, pois devemos lembrar que ela se manifesta de forma muito particular em cada indivíduo e que não necessariamente todos os déficits serão acometidos no portador de uma única vez. Tais aspectos da cognição têm sido resultados de longas pesquisas, aplicação de testes psicológicos e estudos que tentam medir e comparar o desempenho de indivíduos esquizofrênicos com indivíduos-controle, ditos “saudáveis”.
De acordo com Lieberman (Lieberman et al, 2013), cada vez mais pesquisadores creem que déficit cognitivo é uma característica fundamental da doença e não simplesmente o resultado de sintomas ou tratamentos da esquizofrenia. A razão disto é que os resultados das pesquisas mostram que poucas funções cognitivas dos pacientes permanecem semelhantes às dos indivíduos saudáveis em situações de crise e após a hospitalização.
Segundo Noto & Bressan (2012) muitos estudos revelam que a cognição explica entre 20 e 60% da variância do desfecho funcional na esquizofrenia, E os portadores apresentam empobrecimento em importantes aspectos funcionais como a diminuição da autonomia no trabalho, lazer, aprendizado e manutenção das relações interpessoais. Embora existam uma ampla quantidade de déficits cognitivos que podem ocorrer tanto em estágios iniciais do processamento quanto em estágios posteriores da ativação das funções superiores, as facetas cognitivas na esquizofrenia podem ser genericamente organizadas em sete dimensões:

ü  Memória de trabalho (memória de curto prazo): Componente central do déficit cognitivo na esquizofrenia. Está relacionada aos desfechos funcionais, como em situações ligadas ao emprego (lembrar-se de sequências como número de telefones, senhas e informações recentes).

ü     Vigilância e atenção: É a capacidade de manter a atenção ao longo do tempo. Os problemas de vigilância podem resultar na dificuldade de acompanhar conversas sociais e incapacidade de seguir instruções importantes; atividades simples, como ler e assistir TV torna-se trabalhosas ou impossíveis;
ü  Aprendizagem e memória verbal: A aprendizagem de novas informações, retenção de informações recém-adquiridas ao longo do tempo e reconhecimento de um conteúdo previamente apresentado;
ü Aprendizagem e memória visual: Se correlaciona com estabilidade no trabalho, sucesso da reabilitação psicossocial e  qualidade de vida;
ü    Raciocínio e resolução de problemas: A inabilidade ou falta de repertório de respostas para verificar o método que será utilizado para atingir o objetivo final, ou mesmo a dificuldade em dar os primeiros passos, interpõem-se como obstáculos à resolução do problema. Em muitos casos as respostas precisam ser desenvolvidas; ou pela aquisição de pacotes de informação ou pelo treino orientado;
ü   Velocidade de processamento: A redução na velocidade de processamento das informações pode prejudicar a capacidade de se manter em sintonia com as atividades relacionadas a uma tarefa que deve ser executada e que são frequentemente realizados por pacientes com esquizofrenia; e
ü    Cognição social: Dificuldade do reconhecimento das emoções em expressões faciais e a percepção de dicas sociais. A percepção das emoções negativas (medo, tristeza e raiva) pode ser particularmente prejudicada em portadores de esquizofrenia.

No geral, os portadores da esquizofrenia têm déficits maiores na aprendizagem do que na retenção das informações. Segundo Green (1996) apud. Lieberman et al. (2013) e muitas evidências empíricas (a partir de testes psicológicos como o WCST e o Digit Sylbol Test) apontam para a ligação entre a perda da memória verbal e os déficits sociais em portadores com esquizofrenia. Os pacientes com esquizofrenia que apresentam prejuízos nas medidas de funções executivas têm dificuldades em se adaptar às rápidas mudanças no mundo ao seu redor.
Para os psiquiatras é consenso de que o déficit cognitivo é uma característica fundamental no diagnóstico da esquizofrenia e que o mesmo, que é verificado em níveis graves, provavelmente estaria presente na maioria dos portadores. E, uma vez que estes aspectos têm o poder de impactar negativamente a vida social, é muito importante conhecê-los, visando a oferecer maior compreensão e ajuda aos pacientes. 
            Os déficits cognitivos podem ser observados desde muito cedo e, em se tratando de crianças com risco de desenvolvimento da esquizofrenia e com histórico familiar, os estudos como o de Cornblatt et al (apud Lieberman et al, 2013) sugerem a possibilidade de prever quais delas podem vir a efetivamente desenvolver a doença no futuro a partir de avaliações cognitivas e seu déficit de atenção.
            Em jovens, estudos como o de Caspi et al. (apud Lieberman et al., 2013) têm mostrado que após a manifestação da doença e a hospitalização do paciente, suas funções cognitivas são significativamente prejudicadas, mas que a maioria dos problemas cognitivos podia ser verificada antes do primeiro episódio psicótico (Davidson et al, 1999 – apud Lieberman et al, 2013). Este ponto é importante porque são feitas muitas críticas à medicação utilizada no tratamento antipsicótico e alguns levantam a hipótese de que ela possa interferir na avaliação cognitiva do paciente. Numerosas pesquisas sugerem o contrário, porém, e ainda não há tratamento farmacológico comprovado para déficits neurocognitivos (Davidson et al, 2009; Keefe et al, 2007 – apud Lieberman et al, 2013).  
            Bem, a apresentação de déficit cognitivo auxilia no processo diagnóstico da esquizofrenia, que se dá através de constatações do rendimento intelectual e social do sujeito. A simples observação do comportamento pode auxiliar na identificação dessas limitações cognitivas, porém não se deve dispensar uma avaliação realizada por um neuropsicologo afim de melhor direcionar ações psicoterápicas que ajudem o esquizofrênico a ter uma maior qualidade de vida.

REFERÊNCIAS

Imagens:
1 - http://www.brasil247.com/get_img?ImageWidth=650&ImageHeight=674&ImageId=302527
2 - https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEib7O7ffA0UTwUQK0uSAZIZ7W8ItjYIxE41sIxnxw8k-tgp9t0pP6FwPM1Cv8OC12eR88vlltKQgf2g4Mk-VGhVTb1yIMog8oa0W6K0O1EttyQd33ocOYyY8cID5YrsoYaxLnlvjkyqfyH6/s400/charge-1.png

LIEBERMAN, Jeffrey A.; STROUP, T. Scott; PERKINGS, Diana O. Cap. 4 Déficits neurocognitivos. Fundamentos da Esquizofrenia. Porto Alegre: Artmed, 2013.


NOTO, Cristiano S.; BRESSAN, Rodrigo A. Cap. 14 Reabilitação cognitiva. Esquizofrenia: avanços no Tratamento Multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2012. 

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